O futuro da Amazônia: uma região vital para o planeta
A Amazônia desempenha funções ambientais fundamentais em escala regional e global. Por isso, o que acontecer com esse bioma nas próximas décadas terá implicações profundas para o planeta. Diante das taxas crescentes de desmatamento, sua resiliência está ameaçada. Mas ainda é possível proteger a floresta com políticas adequadas e esforços conjuntos.
A floresta em transformação nas últimas décadas
Nas últimas quatro décadas, cerca de 17% da cobertura original da Amazônia brasileira foi desmatada, o equivalente a uma área de 760.000 km2, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Apesar de ainda uma pequena parcela de toda a bacia amazônica, a aceleração recente do desmate, que atingiu 13.235 km2 desmatados apenas em 2022, gera grande preocupação entre cientistas.
Além da perda direta de árvores, ocorrem impactos indiretos como fragmentação de habitats, degradação de áreas remanescentes e alteração do ciclo hidrológico regional. Os “efeitos de borda” penetram até 30 km dentro da mata, mudando microclimas, temperatura, umidade e colonização por espécies invasoras.
“A Amazônia está mudando diante dos nossos olhos. O futuro dirá se conseguiremos evitar o colapso do ecossistema”, alerta o ecólogo Thomas Lovejoy, pioneiro no estudo de fragmentação de habitats na região.
A extração seletiva de madeira nobre também causa grande impacto, mesmo em áreas não totalmente desmatadas. Estradas precárias e hidrovias abrem caminho para mais desmatamento no interior da floresta. E o garimpo ilegal de ouro dissemina mercúrio nos rios, trazendo riscos à saúde humana e biodiversidade aquática.
“A Amazônia é uma das últimas fronteiras na Terra. Estamos lidando com a floresta tropical mais vasta do planeta, repleta de biodiversidade, povos indígenas e comunidades ribeirinhas”, salienta a bióloga Isabel Jones, da Universidade Federal de Pernambuco. “Perdê-la seria uma tragédia ambiental sem precedentes”, completa.
Cenários contrastantes para o futuro da região
Dependendo das políticas adotadas pelos países amazônicos nas próximas décadas, os especialistas vislumbram dois cenários contrastantes:
Cenário positivo:
– Desmatamento controlado e floresta majoritariamente preservada.
– Perda de biodiversidade minimizada e povos tradicionais protegidos.
– Ciclo hidrológico mantido, garantindo chuvas regulares que sustentam a agricultura tanto regional quanto em áreas mais distantes impactadas pelos “rios voadores”.
Cenário negativo:
– Desmatamento ultrapassa ponto de não retorno, chegando a 20-25% da floresta original.
– Secas severas e savanização de vastas áreas anteriormente ocupadas pela floresta úmida.
– Grande extinção de espécies endêmicas e colapso dos “rios voadores”.
– Conflitos violentos por recursos escassos e êxodo de populações da região.
Não se trata de cenários exageradamente pessimistas, e sim de possibilidades concretas caso a devastação da Amazônia continue avançando no ritmo atual por algumas décadas. Significaria uma alteração irreversível em todo o bioma, com consequências sociais e climáticas de enorme magnitude.
O futuro da Amazônia depende das escolhas feitas hoje pelos tomadores de decisão e pela sociedade como um todo. Ainda estamos a tempo de evitar o pior, mas o tempo para uma ação efetiva é curto e requer mudanças urgentes.
“Infelizmente já perdemos porções significativas da Amazônia. Mesmo que o desmatamento fosse zerado hoje, levaria décadas para a floresta se recuperar completamente”, explica Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). “Mas ainda podemos evitar que o dano se torne irremediável.”
A floresta amazônica e seu papel crítico na regulação do clima global
A floresta amazônica tem um papel vital na regulação do clima em múltiplas dimensões, exercendo influência nos níveis de precipitação, temperatura, circulação atmosférica e balanço global de carbono. Sua capacidade de absorver e armazenar enormes quantidades de carbono por meio da fotossíntese é crucial para mitigar as mudanças climáticas.
Estima-se que a Amazônia brasileira contenha entre 80 e 120 bilhões de toneladas de carbono em sua biomassa viva e morta. Apenas as árvores vivas da região acumulam cerca de 50 bilhões de toneladas de carbono. O desmatamento e as queimadas liberam grande parte desse carbono na atmosfera na forma de CO2, intensificando o efeito estufa e as mudanças climáticas.
De acordo com Carlos Nobre, climatologista do Instituto de Estudos Avançados da USP, a Amazônia responde hoje por cerca de 15% a 20% do sequestro global de carbono realizado pela vegetação, apesar de representar apenas 8% da área florestal mundial. Ou seja, ela retira da atmosfera e absorve muito mais carbono do que seria esperado para sua extensão.
Além do carbono estocado na biomassa, a Amazônia é uma poderosa bomba de sucção de CO2, retirando algo entre 1 e 2 bilhões de toneladas do gás por ano por meio da fotossíntese, transformando em oxigênio. Essa capacidade fenomenal de sequestrar carbono da atmosfera seria perdida com o desaparecimento da floresta, acelerando ainda mais as concentrações de gases de efeito estufa.
Outro papel crucial da Amazônia está nos chamados “rios voadores”, que transportam umidade da floresta através da atmosfera até outras regiões do continente. Estima-se que a evapotranspiração da região lança na atmosfera cerca de 20 bilhões de toneladas de vapor d’água por dia, criando rios de umidade que garantem as chuvas em grandes áreas agrícolas do Brasil Central, Sudeste e Sul, além de países vizinhos.
O desmatamento e a degradação florestal reduzem esse fluxo de vapor e podem desestabilizar o regime de chuvas nessas áreas, onde vivem mais de 100 milhões de pessoas e estão algumas das terras agrícolas mais produtivas do planeta. Portanto, a proteção da Amazônia é uma questão climática global, com impactos sobre a segurança alimentar de diversas nações, incluindo as maiores economias da América do Sul.
A acelerada perda de habitats e a ameaça à biodiversidade amazônica
A floresta amazônica abriga 10% das espécies já catalogadas no mundo, além de milhares ainda desconhecidas pela ciência. Abrange numerosos ecossistemas, incluindo as bacias dos rios Amazonas, Negro e Madeira e vastas áreas de floresta tropical densa na planície amazônica.
Muitas dessas espécies são endêmicas, só ocorrendo na Amazônia. Estima-se que haja cerca de 40 mil espécies de plantas vasculares, 427 de mamíferos, 1.300 de aves, 378 de répteis, mais de 400 de anfíbios e 2,5 milhões de insetos. Novas espécies são descobertas com frequência, especialmente entre invertebrados, anfíbios, répteis e peixes.
O desmatamento e a degradação ambiental colocam esse patrimônio genético sob elevada ameaça. A fragmentação de habitats, as mudanças microclimáticas e a caça predatória já provocaram o declínio acentuado de diversas espécies como a onça-pintada, a anta, o cuxiú-preto e o guariba-de-mãos-ruivas.
De acordo com um estudo publicado em 2018 na revista científica Current Biology, cerca de 36% das espécies de vertebrados terrestres da Amazônia estão ameaçadas de extinção apenas no lado brasileiro. Entre os fatores, o impacto negativo da perda de habitats é mencionado como um dos mais graves e urgentes.
Povos indígenas e tradicionais da Amazônia sob ameaça
A floresta amazônica abriga uma enorme diversidade sociocultural, com a presença de povos indígenas, comunidades ribeirinhas, seringueiros, castanheiros e outros grupos que dependem intimamente da floresta para sua subsistência.
Estima-se que vivam na região cerca de 3 milhões de pessoas em comunidades tradicionais, além de aproximadamente um milhão de indígenas de diferentes etnias, como Yanomami, Kayapó, Tucano, Macuxi, Waiãpi entre várias outras. Muitos desses povos só têm recente contato com a sociedade nacional.
O avanço do desmatamento sobre seus territórios representa uma ameaça existencial a esses povos, seja por destruir recursos necessários a sua sobrevivência ou promover invasões e conflitos violentos. Além disso, eles são importantes guardiões do conhecimento etnobotânico e da biodiversidade amazônica.
“Os indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia precisam ter seus direitos garantidos e serem protagonistas na conservação da floresta. Eles melhor do que ninguém conhecem seu valor e importância”, ressalta João Paulo Capobianco, secretário executivo do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS).
Soluções baseadas na natureza e no conhecimento dos povos da floresta
Diante da aceleração do desmatamento, cresce entre pesquisadores e organizações ambientalistas a consciência de que será preciso muito mais do que a fiscalização para proteger a Amazônia. Serão necessárias soluções inovadoras baseadas na própria lógica e dinâmica da floresta.
Nesse contexto, ganham força conceitos como soluções baseadas na natureza (Nature-based Solutions) e bioeconomia da floresta, que aproveitam o potencial único de biodiversidade da região para geração de produtos, serviços e conhecimento de modo sustentável.
Isso requer aproveitar séculos de sabedoria de povos indígenas e comunidades locais sobre o manejo sustentável de recursos naturais. Exemplos são o extrativismo da seringa, castanha e outros produtos da floresta realizados com base em práticas tradicionais aprimoradas com técnicas modernas.
Também são promissoras as pesquisas em curso sobre fitoterápicos, fitocosméticos e outros produtos bioquímicos obtidos de plantas e animais amazônicos. Grande parte desse conhecimento vem sendo tradicionalmente aplicado por indígenas e comunidades locais, e seu aproveitamento econômico de forma justa pode se tornar uma alternativa ao desmatamento.
Transição para uma economia verde com foco em serviços ecossistêmicos
Além de novas cadeias da bioeconomia, especialistas apontam que a conservação da Amazônia passa por um novo modelo econômico que priorize a geração de serviços ecossistêmicos em vez da produção predatória de commodities.
Isso inclui pagamentos por serviços ambientais para proprietários rurais que conservem áreas de floresta em pé, créditos de carbono por redução de emissões por desmatamento e programas de redução de emissões por degradação florestal.
Outra alternativa promissora são os mercados para produtos certificados oriundos de práticas sustentáveis, como o café caboclo, o pirarucu manejado, a castanha coletada por populações extrativistas e assim por diante. Isso permite agregar valor a esses produtos da sociobiodiversidade amazônica tornando sua cadeia também financeiramente competitiva.
Contudo, também será necessário limitar rigorosamente a expansão de atividades altamente predadoras como o garimpo, a pecuária extensiva e o plantio de commodities como soja e cana em áreas de floresta. Isso requer um zoneamento ecológico-econômico rigoroso e política de crédito e fomento seletiva, privilegiando cadeias de valor ambientalmente corretas.
Cooperação internacional pela proteção da Amazônia
Embora os países amazônicos tenham a principal responsabilidade sobre o futuro da região, sua conservação se tornou uma questão crucial para toda a humanidade, pois impacta o clima global e a estabilidade das chuvas em grandes áreas agrícolas fora da região amazônica.
Portanto, um novo regime internacional de cooperação pela Amazônia se faz necessário de modo urgente. Isso passa desde acordos bilaterais entre países da região até incentivos positivos e assistência técnica por parte de países desenvolvidos para que a conservação florestal se torne economicamente mais atraente aos proprietários rurais do que o desmatamento.
Também é importante a cooperação Sul-Sul, transferindo boas práticas ambientais de países como a Costa Rica, que conseguiu reverter altos níveis de desmatamento com inteligência e persistência. Financiamento para pesquisa, monitoramento, regularização fundiária e estratégias inovadoras de bioeconomia deve ser mobilizado internacionalmente em benefício da Amazônia.
Por fim, a inserção da temática amazônica como uma prioridade absoluta em todas as futuras negociações e acordos ambientais globais é vital para catalisar ações práticas que ajudem a reverter a tendência de devastação da maior floresta tropical do planeta.
Conclusão
Diante dos riscos ambientais, climáticos e socioculturais, a Amazônia não pode mais ser vista como uma “fronteira infinita” para exploração desenfreada. Sua proteção é uma responsabilidade coletiva da humanidade, com benefícios diretos para toda a região e o planeta. As políticas para a Amazônia nas próximas décadas moldarão o futuro do bioma e de 30 milhões de pessoas que lá habitam.
Ainda estamos a tempo de evitar o desastre, mas o tempo para uma ação efetiva é curto e requer mudanças de paradigma na economia e no modo de encarar as florestas. Mais do que nunca, o lema “Pensar globalmente, agir localmente” se aplica ao desafio de construir na Amazônia uma nova sociedade próspera e harmônica com a floresta.